segunda-feira, 28 de março de 2011
INVASÕES HOLANDESAS - ANTECEDENTES
O açúcar. Há muito conhecido pelos árabes, começou a ser divulgado na Europa a partir do século XII. Em Portugal, a cana foi cultivada no Algarves e na região de Coimbra desde o século XIV. Daí, passou para a ilha da Madeira, em meados do século seguinte.
Considerado uma especiaria, o consumo do açúcar ficou por muito tempo confinado as cortes e aos nobres. Após 1500, tornou-se um produto de luxo, ainda raro, mas utilizado de maneira cada vez mais intensa e variada. Somente no século XVIII, porém, como resultado da expansão da produção e do comércio, alcançou um público mais vasto, passando a adoçar o chá, o café e o chocolate, que se vulgarizavam.
Além de adoçante, o açúcar podia ser empregado como tempero (a pitada que ainda hoje se adiciona para cortar o sal), como conservante (frutas cristalizadas, por exemplo), como remédio (indicado pela farmacopéia árabe) e como decoração. Misturado a outras substâncias, o açúcar transforma-se em uma massa que pode ser modelada e pintada. Entre os séculos XV e XVII, e ainda mais tarde, constituía um símbolo de muito prestígio e riqueza recepcionar os convidados decorando a mesa com a escultura açucarada de um edifício ou outros objetos.
Em virtude do alto valor do açúcar no mercado internacional e dos conhecimentos adquiridos na produção do reino e da Madeira, a opção dos donatários pelo cultivo da cana em suas capitanias parece uma escolha quase inevitável. Principalmente porque, no litoral do Brasil, a presença de um solo argiloso escuro e pegajoso, rico em calcário, denominado massapê, prestava-se esplendidamente ao cultivo.
No entanto, a fabricação do açúcar tinha outras exigências. De um lado, a instalação do engenho demandava capitais consideráveis. De outro, trabalhadores especializados, capazes de dar o ponto de cozimento adequado e de refinar o produto. De preferência, instalavam-se os engenhos junto a um curso de água, que servia de força motriz para a moenda e de escoadouro para a produção (engenho real). Mas também os havia, e em maior número, movidos à tração animal (trapiches). Os colonos de alguma posse, destituídos porém de recursos para a montagem de um engenho, faziam cultivar a terra ao redor e moíam suas canas na instalação do senhor mais próximo, pelo que pagavam com uma parcela do produto final. Caso as terras pertencessem ao próprio senhor, esses lavradores tornavam-se canas obrigadas, isto é, só podiam moê-las naquele engenho.
Exceto pelos trabalhadores especializados, livres e assalariados, a mão-de-obra dos engenhos era predominantemente escrava. De início, recorreu-se aos indígenas, mas após 1570 os africanos tornaram-se cada vez mais comuns, uma vez que o número daqueles começou a declinar rapidamente e que estes adaptavam-se melhor a rotina do trabalho. Também não se pode esquecer que o comércio transatlântico de escravos converteu-se em um lucrativo negócio por essa época. Paralelamente ao trabalho no engenho, os escravos cuidavam igualmente de seu sustento, mantendo roças de alimentos, que podiam dispor como lhes convinha.
Por volta de 1545, o Brasil já dispunha de aproximadamente 25 engenhos espalhados de Pernambuco a São Vicente. Muitos, porém, não vingaram e, após a implantação do governo-geral, a produção tendeu a concentrar-se em Pernambuco e Bahia. Em 1570, essas duas capitanias reuniam 41 dos 60 engenhos do Brasil.
Porém, desde a plantação da cana, até a produção do açúcar, os colonos enfrentavam serias dificuldades, pois era preciso ter instalações e objetos específicos. Tudo isso além do capital. Nessa ‘fresta’ deixada pelos portugueses, os holandeses entraram com tecnologia européia para a refinação, na qual, com o tempo, se interessaram pela produção do açúcar, e praticamente se apropriaram do nordeste.
Características
Na falta de metais preciosos, a solução para obter alguma forma de lucro no Brasil colônia, seria promover a produção de um gênero agrícola que tivesse grande aceitação e elevado preço no mercado europeu. O açúcar atendia perfeitamente essas exigências.
Desde o século XIII os europeus já conheciam o açúcar. O problema é que era caro demais, pois era produzido no Extremo Oriente e chegava à Europa em pequenas quantidades. Entre os séculos XV e XVI espanhóis e portugueses resolveram plantar cana-de-açúcar. A Espanha utilizou suas terras americanas e Portugal suas ilhas africanas.
Em 1532, Martim Afonso de Sousa criou o primeiro engenho no Brasil, distribuindo terras para que os colonos plantassem cana. Em menos de 20 anos as plantações de cana se espalharam de tal forma pelo litoral, que por volta de 1550 o Brasil já era o maior produtor mundial de açúcar. No Nordeste, especialmente em Pernambuco, encontrou-se excelentes condições de clima e solo, instalando-se rapidamente dezenas de fazendas e engenhos.
No início, a empresa açucareira enfrentou sérios problemas. Plantar cana era uma coisa. Produzir açúcar, outra. Além do frete ou compra de embarcações para transporte dos colonos e dos equipamentos, o custo para implantação de um engenho era muito elevado, pois os equipamentos eram caríssimos para época, como fornalhas, moendas e vasilhas de cobre. Nesse sentido, os holandeses surgem como peça vital para viabilizar a empresa açucareira na colônia.
Desde o século XV, os holandeses já comercializavam o açúcar produzido pelos portugueses nas ilhas atlânticas. No Brasil, emprestavam o capital, exigindo em troca os direitos de refinação e distribuição no mercado europeu, bem como, o transporte de Portugal para Holanda. Recolhiam o produto em Lisboa, refinavam e distribuíam na Europa, principalmente na França, Inglaterra e regiões do Báltico. Ficavam com a maior parte da renda gerada pela empresa açucareira brasileira, pois esta era uma época mercantilista, onde o acúmulo de capital estava bem mais na distribuição (comércio), do que na produção da mercadoria.
Ao rei de Portugal cabia uma parcela também significativa do capital gerado pelo açúcar, pois recolhia impostos dos produtores, comerciantes e transportadores do produto.
Durante os séculos XVI e XVII a empresa açucareira brasileira foi a maior do mundo ocidental. A contribuição dos holandeses para a expansão do mercado açucareiro foi um dos principais fatores para o êxito da colonização do Brasil. Destacando-se tanto no comércio, como nas finanças no velho mundo, os holandeses eram nessa época os únicos com organização comercial suficiente para criar um mercado de grandes proporções para um produto como o açúcar.
Processo Histórico e Desdobramentos
A invasão holandesa ao Nordeste Brasileiro se deu entre os anos de 1630 e 1654, com dois grandes períodos de guerras: 1630-1635 e 1645-1654 quando os portugueses finalmente reconquistaram o centro econômico de sua principal colônia.
A tomada do Nordeste Brasileiro pela WIC (Companhia Holandesa das Índias Ocidentais) se deu após diversos anos de estudos, onde grande parte da comunidade judaica local colaborou com os invasores, devido às perseguições sofridas junto aos católicos. Também foram utilizados alguns espiões nos barcos que para cá vieram, que registraram a geografia do local e levaram índios à Europa. Havia dois interesses fortemente ligados na decisão holandesa de dominar as colônias sul-americanas dos portugeses.
O primeiro deles era o fato da Holanda ter se tornado inimiga de Portugal após este ser vassalo da Espanha, o outro o financeiro propriamente falando, visto que a produção e o comércio de açúcar eram extremamente lucrativos e os holandeses já dominavam as transações comerciais deste produto.
Após a morte do infante D. Henrique em 1580, houve uma grave crise na linha de sucessão ao trono português, visto que o jovem Rei ainda não havia deixado herdeiros. Após muita discussão internacional e uma tentativa de golpe, finalmente o Rei de Espanha, Felipe II (Felipe I de Portugal) assume o trono fazendo com que Portugal se torne inimigo consequentemente da Holanda, por esta ser inimiga da Espanha.
A Holanda tinha diversos investimentos no Brasil com empréstimos a senhores de engenho e intensas ligações comerciais com a venda de açúcar e de pau-brasil. Em 1621 foi criada a Companhia das Índias Ocidentais, de capital aberto na Bolsa de Valores de Amsterdã, e nos mesmos moldes da já importante Companhia das Índias Orientais. Quem presidia a WIC (sigla em flamengo) era o Conselho dos XIX.
Primeiramente tentou-se conquistar a cidade de Salvador, capital administrativa da colônia portuguesa, porém com a derrota optou-se por Olinda e Recife, centros econômicos. Em 1630 uma frota composta de 56 navios, com 3780 tripulantes e 3500 soldados chega a Olinda. Rapidamente dominaram esta vila e pouco tempo depois a de Recife.
Matias de Albuquerque, governador português de Pernambuco à época, levantou acampamento em Arraial de Bom Jesus com a intenção de organizar a defesa. Tal centro de defesa foi importantíssimo quando em 1631 chega uma frota hispano-portuguesa de 23 navios para o contra-ataque. Em parte a tal contra-ofensiva foi triunfante, visto que os navios desembarcaram em Alagoas e seus efetivos conseguiram forçar os holandeses a abandonar e incendiar Olinda para defenderem somente Recife.
Porém, a política expansionista holandesa não seria freada ai, visto que no mesmo ano estes partiriam para tentar, sem sucesso, a conquista da Paraíba e do Rio Grande do Norte. Tal conquista, porém, já estaria concretizada em 1635, quando o domínio holandês no Brasil, ou o "Brasil Holandês" já chega até o Rio Grande do Norte. Até junho do mesmo ano, excetuavam-se somente o Arraial de Bom Jeses e o Forte de Nazaré nesta conquista, porém neste mês caem estes dois últimos focos de resistência.
quinta-feira, 24 de março de 2011
QUESTÃO DE HISTÓRIA DA SEMANA
A inexistência de partidos fortes, com linha ideológica clara e coerente, é uma das características da nossa vida política, registrando a História recente do Brasil vários exemplos de personalidades que, por diferentes razões, aliaram-se a antigos opositores. Sobre essa questão, podemos afirmar que:
0 0. Getúlio Vargas apoiou para a presidência o general Eurico Dutra, que conspirara para a sua derrubada, na disputa contra o brigadeiro Eduardo Gomes.
1 1. A popularidade de Juscelino durante o seu governo levou a UDN, que se opusera fortemente à sua eleição, a apoiá-lo e a ocupar cargos relevantes na administração.
2 2. Na campanha do queremismo, Luíz Carlos Prestes, que fora preso durante o Estado Novo e teve sua mulher entregue aos nazistas pelo governo brasileiro, apoiou Vargas em nome das bandeiras nacionalistas que este defendia.
3 3. Descontente com os rumos do movimento de 1964, Carlos Lacerda, um dos líderes desse movimento, procurou formar uma Frente Ampla com políticos, antes em campos opostos, J. Goulart e Juscelino.
4 4. Visando concorrer às eleições indiretas Tancredo Neves, ex PSD e militante do PMDB, filiou-se à ARENA.
resp.:VVVVF
quarta-feira, 23 de março de 2011
LIBERDADE: ELA EXISTE?
Liberdade - essa palavra
Que o sonho humano alimenta
Que não há ninguém que explique,
E ninguém que não entenda!
Cecília Meireles. Romanceiro da Inconfidência.
OS MITOS DE TÂNTALO, PÉLOPS E NÍOBE
Tântalo
Tântalo era um rei rico e famoso em Sípilo, além de ser um dos filhos de Zeus; como tal, era amigo dos deuses e sempre era convidado a comer na mesa deles, no Olimpo. Porém, vaidoso, Tântalo revelou segredos dos deuses aos mortais, roubou o néctar e a ambrosia dos deuses e entregou-os a seus amigos mortais, escondeu um cão de ouro em Creta e, para testar a onisciência dos deuses, cometeu um crime terrível: matou seu próprio filho, Pélops, serviu sua carne na refeição e esperava que os deuses comessem a carne humana.
Os deuses perceberam, ressuscitaram Pélops e castigaram Tântalo da seguinte forma: em um lago, ele ficou preso com o nível da água até o seu queixo, uma sede muito forte o incomodava, mas ao tentar beber a água, o nível dela abaixava e ele nunca conseguia bebê-la. Atrás de Tântalo, belíssimas árvores carregadas de frutas tinham galhos que chegavam sobre sua cabeça, quando ele movimentava-a para cima, um vento forte afastava os galhos cheios de frutas para longe, impossibilitando Tântalo de matar sua fome. Piorando seu sofrimento, ainda havia um rochedo suspenso no ar e localizado acima de sua cabeça, deixando-o com um terrível medo da morte.
Eis o destino de Tântalo por seu crime. Por mais que ele se esforçasse e tentasse em tomar água, esta afastava-se; por mais que ele se esforçasse em tentar comer as frutas, estas também se afastavam; por mais que ele tentasse esquecer do rochedo, ele estava bem acima de si. A sede, a fome e o medo sempre venciam – o destino mostrava-se imutável: era impossível alterar a decisão dos deuses olímpicos.
A vida de Tântalo estava determinada, controlada pelos deuses. Em Filosofia, denominamos de determinismo a idéia de que somos controlados por algo ou alguém, a idéia de que temos um destino, de que ele seja inalterável e que possa estar escrito independentemente de nossa vontade. Tudo o que acontece conosco pode estar previamente definido.
Pélops
Esta idéia de que nossa vida pode estar traçada anteriormente por algo ou alguém, é vista com mais clareza na continuidade do mito: Pélops era o filho de Tântalo, morto por seu pai e ressuscitado pelos deuses, ele apaixonou-se pela princesa Hipodâmia, de Elice. O rei Enômao ouvira de um oráculo que se sua filha se casasse, ele morreria. Para evitar o casamento de sua filha, o rei anunciava uma corrida de carruagem a todos os pretendentes dela: a corrida acontecia de Pisa até o altar de Poseidon, em Corinto, e enquanto os pretendentes largavam na frente, o rei oferecia um carneiro a Zeus. Se o rei alcançasse seu oponente, podia matá-lo com sua lança; caso contrário, o pretendente poderia casar-se com Hipodâmia – assim, muitos já haviam morrido, já que os cavalos do rei, Fila e Harpina, corriam mais velozmente que o vento Norte.
Pélops era mais um concorrente e, antes da corrida, invocou Poseidon, que o atendeu e ofereceu a ele uma carruagem com cavalos alados e rápidos como flechas. Na corrida, mesmo com estes cavalos, Pélops foi alcançado por Enômao. Poseidon soltou as rodas da carruagem do rei, que caiu e morreu enquanto Pélops alcançava a linha de chegada em Corinto. De volta a Pisa, Pélops ainda salvou a princesa de um incêndio do castelo real e, enfim, casou-se com sua amada.
Dizíamos que a idéia de determinismo aparece nesta narrativa mais claramente que na primeira. Basta verificar que a previsão oracular cumpriu-se com todo o seu rigor: como perdeu a corrida, o rei seria morto e, no momento que ele cai da carruagem, a morte apresentou-se fatalmente, tal como estava determinado. No derminismo, não há como alterar o destino imposto pelos deuses: uma vez que o destino do rei era a morte, caso sua filha se casasse, ela mostrou-se fatal, inexorável.
Níobe
Níobe era orgulhosa como seu pai, Tântalo. Como rainha de Tebas, certa vez proibiu as pessoas de fazerem uma homenagem a Leto, Apolo e Ártemis alegando que ela é que deveria ser homenageada por ser filha de Tântalo, neta de Zeus e um de seus antepassados é Atlas. As oferendas foram interrompidas e todos voltaram para casa.
Leto, a deusa do destino, e seus filhos, Apolo e Ártemis, reagiram aos insultos de Níobe e prepararam uma terrível vingança: Apolo acertou, com flechas, cada um dos sete filhos de Níobe, que faziam treinos eqüestres. A notícia se espalhou e Anfíon, rei de Tebas e marido de Níobe, ao saber da notícia, suicidou-se com sua espada. Níobe, acompanhada de suas sete filhas, correu para o campo lamentando a morte de seu marido e de seus filhos; porém, continuou a gritar contra os deuses e considerando-se mais rica. Assim, novas flechas voaram em Tebas e mataram também as suas sete filhas. Sentada diante de seus sete filhos, sete filhas e marido, todos mortos, Níobe ficou paralisada de tanta dor, o vento já não conseguia fazer seus cabelos oscilarem, o sangue petrificou em suas veias: Níobe foi transformada em uma rocha, mas que ainda continuava a chorar. Por fim, uma ventania jogou a pedra pelos ares e a levou até a Lídia, onde Níobe está até hoje em uma montanha, chorando. A deusa do destino vingou-se furiosamente do orgulho de Níobe e sua tentativa de interromper o louvor aos deuses.
Os três mitos acima expressaram algumas características fundamentais da idéia de determininsmo:
- nossa vida é controlada por algo ou alguém, tal como Tântalo controlado pelos deuses no lago;
- não há como alterar o nosso destino, tal como o rei Enômao que não escapou da morte assim que Pélops venceu a corrida de carruagem.
Que o sonho humano alimenta
Que não há ninguém que explique,
E ninguém que não entenda!
Cecília Meireles. Romanceiro da Inconfidência.
OS MITOS DE TÂNTALO, PÉLOPS E NÍOBE
Tântalo
Tântalo era um rei rico e famoso em Sípilo, além de ser um dos filhos de Zeus; como tal, era amigo dos deuses e sempre era convidado a comer na mesa deles, no Olimpo. Porém, vaidoso, Tântalo revelou segredos dos deuses aos mortais, roubou o néctar e a ambrosia dos deuses e entregou-os a seus amigos mortais, escondeu um cão de ouro em Creta e, para testar a onisciência dos deuses, cometeu um crime terrível: matou seu próprio filho, Pélops, serviu sua carne na refeição e esperava que os deuses comessem a carne humana.
Os deuses perceberam, ressuscitaram Pélops e castigaram Tântalo da seguinte forma: em um lago, ele ficou preso com o nível da água até o seu queixo, uma sede muito forte o incomodava, mas ao tentar beber a água, o nível dela abaixava e ele nunca conseguia bebê-la. Atrás de Tântalo, belíssimas árvores carregadas de frutas tinham galhos que chegavam sobre sua cabeça, quando ele movimentava-a para cima, um vento forte afastava os galhos cheios de frutas para longe, impossibilitando Tântalo de matar sua fome. Piorando seu sofrimento, ainda havia um rochedo suspenso no ar e localizado acima de sua cabeça, deixando-o com um terrível medo da morte.
Eis o destino de Tântalo por seu crime. Por mais que ele se esforçasse e tentasse em tomar água, esta afastava-se; por mais que ele se esforçasse em tentar comer as frutas, estas também se afastavam; por mais que ele tentasse esquecer do rochedo, ele estava bem acima de si. A sede, a fome e o medo sempre venciam – o destino mostrava-se imutável: era impossível alterar a decisão dos deuses olímpicos.
A vida de Tântalo estava determinada, controlada pelos deuses. Em Filosofia, denominamos de determinismo a idéia de que somos controlados por algo ou alguém, a idéia de que temos um destino, de que ele seja inalterável e que possa estar escrito independentemente de nossa vontade. Tudo o que acontece conosco pode estar previamente definido.
Pélops
Esta idéia de que nossa vida pode estar traçada anteriormente por algo ou alguém, é vista com mais clareza na continuidade do mito: Pélops era o filho de Tântalo, morto por seu pai e ressuscitado pelos deuses, ele apaixonou-se pela princesa Hipodâmia, de Elice. O rei Enômao ouvira de um oráculo que se sua filha se casasse, ele morreria. Para evitar o casamento de sua filha, o rei anunciava uma corrida de carruagem a todos os pretendentes dela: a corrida acontecia de Pisa até o altar de Poseidon, em Corinto, e enquanto os pretendentes largavam na frente, o rei oferecia um carneiro a Zeus. Se o rei alcançasse seu oponente, podia matá-lo com sua lança; caso contrário, o pretendente poderia casar-se com Hipodâmia – assim, muitos já haviam morrido, já que os cavalos do rei, Fila e Harpina, corriam mais velozmente que o vento Norte.
Pélops era mais um concorrente e, antes da corrida, invocou Poseidon, que o atendeu e ofereceu a ele uma carruagem com cavalos alados e rápidos como flechas. Na corrida, mesmo com estes cavalos, Pélops foi alcançado por Enômao. Poseidon soltou as rodas da carruagem do rei, que caiu e morreu enquanto Pélops alcançava a linha de chegada em Corinto. De volta a Pisa, Pélops ainda salvou a princesa de um incêndio do castelo real e, enfim, casou-se com sua amada.
Dizíamos que a idéia de determinismo aparece nesta narrativa mais claramente que na primeira. Basta verificar que a previsão oracular cumpriu-se com todo o seu rigor: como perdeu a corrida, o rei seria morto e, no momento que ele cai da carruagem, a morte apresentou-se fatalmente, tal como estava determinado. No derminismo, não há como alterar o destino imposto pelos deuses: uma vez que o destino do rei era a morte, caso sua filha se casasse, ela mostrou-se fatal, inexorável.
Níobe
Níobe era orgulhosa como seu pai, Tântalo. Como rainha de Tebas, certa vez proibiu as pessoas de fazerem uma homenagem a Leto, Apolo e Ártemis alegando que ela é que deveria ser homenageada por ser filha de Tântalo, neta de Zeus e um de seus antepassados é Atlas. As oferendas foram interrompidas e todos voltaram para casa.
Leto, a deusa do destino, e seus filhos, Apolo e Ártemis, reagiram aos insultos de Níobe e prepararam uma terrível vingança: Apolo acertou, com flechas, cada um dos sete filhos de Níobe, que faziam treinos eqüestres. A notícia se espalhou e Anfíon, rei de Tebas e marido de Níobe, ao saber da notícia, suicidou-se com sua espada. Níobe, acompanhada de suas sete filhas, correu para o campo lamentando a morte de seu marido e de seus filhos; porém, continuou a gritar contra os deuses e considerando-se mais rica. Assim, novas flechas voaram em Tebas e mataram também as suas sete filhas. Sentada diante de seus sete filhos, sete filhas e marido, todos mortos, Níobe ficou paralisada de tanta dor, o vento já não conseguia fazer seus cabelos oscilarem, o sangue petrificou em suas veias: Níobe foi transformada em uma rocha, mas que ainda continuava a chorar. Por fim, uma ventania jogou a pedra pelos ares e a levou até a Lídia, onde Níobe está até hoje em uma montanha, chorando. A deusa do destino vingou-se furiosamente do orgulho de Níobe e sua tentativa de interromper o louvor aos deuses.
Os três mitos acima expressaram algumas características fundamentais da idéia de determininsmo:
- nossa vida é controlada por algo ou alguém, tal como Tântalo controlado pelos deuses no lago;
- não há como alterar o nosso destino, tal como o rei Enômao que não escapou da morte assim que Pélops venceu a corrida de carruagem.
terça-feira, 22 de março de 2011
ARTE GREGA - RESUMÃO
Enquanto a arte egípcia é uma arte ligada ao espírito, a arte grega liga-se à inteligência, pois os seus reis não eram deuses, mas seres inteligentes e justos que se dedicavam ao bem-estar do povo. A arte grega volta-se para o gozo da vida presente. Contemplando a natureza, o artista se empolga pela vida e tenta, através da arte, exprimir suas manifestações. Na sua constante busca da perfeição, o artista grego cria uma arte de elaboração intelectual em que predominam o ritmo, o equilíbrio, a harmonia ideal. Eles tem como características: o racionalismo; amor pela beleza; interesse pelo homem, essa pequena criatura que é “a medida de todas as coisas”; e a democracia.
ARQUITETURA
As edificações que despertaram maior interesse são os templos. A característica mais evidente dos templos gregos é a simetria entre o pórtico de entrada e o dos fundos. O templo era construído sobre uma base de três degraus. O degrau mais elevado chamava-se estilóbata e sobre ele eram erguidas as colunas. As colunas sustentavam um entablamento horizontal formado por três partes: a arquitrave, o friso e a cornija. As colunas e entablamento eram construídos segundo os modelos da ordem dórica, jônica e coríntia.
- Ordem Dórica - era simples e maciça. O fuste da coluna era monolítico e grosso. O capitel era uma almofada de pedra. Nascida do sentir do povo grego, nela se expressa o pensamento. Sendo a mais antiga das ordens arquitetônicas gregas, a ordem dórica, por sua simplicidade e severidade, empresta uma idéia de solidez e imponência
- Ordem Jônica - representava a graça e o feminino. A coluna apresentava fuste mais delgado e não se firmava diretamente sobre o estilóbata, mas sobre uma base decorada. O capitel era formado por duas espirais unidas por duas curvas. A ordem dórica traduz a forma do homem e a ordem jônica traduz a forma da mulher.
- Ordem Coríntia - o capitel era formado com folhas de acanto e quatro espirais simétricas, muito usado no lugar do capitel jônico, de um modo a variar e enriquecer aquela ordem. Sugere luxo e ostentação.
Os principais monumentos da arquitetura grega:
a) Templos, dos quais o mais importante é o Partenon de Atenas. Na Acrópole, também, se encontram as Cariátides homenageavam as mulheres de Cária.
b) Teatros, que eram construídos em lugares abertos (encosta) e que compunham de três partes: a skene ou cena, para os atores; a konistra ou orquestra, para o coro; o koilon ou arquibancada, para os espectadores. Um exemplo típico é o Teatro de Epidauro, construído, no séc. IV a.C., ao ar livre, composto por 55 degraus divididos em duas ordens e calculados de acordo com uma inclinação perfeita. Chegava a acomodar cerca de 14.000 espectadores e tornou-se famoso por sua acústica perfeita.
c) Ginásios, edifícios destinados à cultura física.
d) Praça - Ágora onde os gregos se reuniam para discutir os mais variados assuntos, entre eles; filosofia.
PINTURA
A pintura grega encontra-se na arte cerâmica. Os vasos gregos são também conhecidos não só pelo equilíbrio de sua forma, mas também pela harmonia entre o desenho, as cores e o espaço utilizado para a ornamentação. Além de servir para rituais religiosos, esses vasos eram usados para armazenar, entre outras coisas, água, vinho, azeite e mantimentos. Por isso, a sua forma correspondia à função para que eram destinados:
- Ânfora - vasilha em forma de coração, com o gargalo largo ornado com duas asas;
- Hidra - (derivado de ydor, água) tinha três asas, uma vertical para segurar enquanto corria a água e duas para levantar;
- Cratera - tinha a boca muito larga, com o corpo em forma de um sino invertido, servia para misturar água com o vinho (os gregos nunca bebiam vinho puro), etc.
As pinturas dos vasos representavam pessoas em suas atividades diárias e cenas da mitologia grega. O maior pintor de figuras negras foi Exéquias.
A pintura grega se divide em três grupos:
1) figuras negras sobre o fundo vermelho
2) figuras vermelhas sobre o fundo negro
3) figuras vermelhas sobre o fundo branco
ESCULTURA
A estatuária grega representa os mais altos padrões já atingidos pelo homem. Na escultura, o antropomorfismo - esculturas de formas humanas - foi insuperável. As estátuas adquiriram, além do equilíbrio e perfeição das formas, o movimento.
No Período Arcaico os gregos começaram a esculpir, em mármores, grandes figuras de homens. Primeiramente aparecem esculturas simétricas, em rigorosa posição frontal, com o peso do corpo igualmente distribuído sobre as duas pernas. Esse tipo de estátua é chamado Kouros (palavra grega: homem jovem).
No Período Clássico passou-se a procurar movimento nas estátuas, para isto, se começou a usar o bronze que era mais resistente do que o mármore, podendo fixar o movimento sem se quebrar. Surge o nu feminino, pois no período arcaico, as figuras de mulher eram esculpidas sempre vestidas.
Período Helenístico podemos observar o crescente naturalismo: os seres humanos não eram representados apenas de acordo com a idade e a personalidade, mas também segundo as emoções e o estado de espírito de um momento. O grande desafio e a grande conquista da escultura do período helenístico foi a representação não de uma figura apenas, mas de grupos de figuras que mantivessem a sugestão de mobilidade e fossem bonitos de todos os ângulos que pudessem ser observados.
Os principais mestres da escultura clássica grega são:
- Praxíteles, celebrado pela graça das suas esculturas, pela lânguida pose em “S” (Hermes com Dionísio menino), foi o primeiro artista que esculpiu o nu feminino.
- Policleto, autor de Doríforo - condutor da lança, criou padrões de beleza e equilíbrio através do tamanho das estátuas que deveriam ter sete vezes e meia o tamanho da cabeça.
- Fídias, talvez o mais famoso de todos, autor de Zeus Olímpico, sua obra-prima, e Atenéia. Realizou toda a decoração em baixos-relevos do templo Partenon: as esculturas dos frontões, métopas e frisos.
- Lisipo, representava os homens “tal como se vêem” e “não como são” (verdadeiros retratos). Foi Lisipo que introduziu a proporção ideal do corpo humano com a medida de oito vezes a cabeças.
- Miron, autor do Discóbolo - homem arremessando o disco.
Para seu conhecimento:
Mitologia: Zeus: senhor dos céus; Atenéia: deusa da guerra; Afrodite: deusa do amor; Apolo: deus das artes e da beleza;
Posseidon: deus das águas; entre outros.
Olimpíadas: Realizavam-se em Olímpia, cada 4 anos, em honra a Zeus. Os primeiros jogos começaram em 776 a.C. As festas olímpicas serviam de base para marcar o tempo.
Teatro: Foi criada a comédia e a tragédia. Entre as mais famosas: Édipo Rei de Sófocles.
Música: Significa a arte das musas, entre os gregos a lira era o instrumento nacional.
QUESTÃO DE FILOSOFIA DA SEMANA
Assinale a alternativa correta sobre o termo política:
a) comum é relacionar poder e dinheiro e na ciência é idealizar o impossível.
b) uso generalizado refere-se à toda manifestação das eleições não vai além disso e específico à governo e Estado, o primeiro programas e projetos e o segundo instituição.
c) a conduta duvidosa dos políticos e cientificamente a arte de enganar.
d) o senso comum que entende política como processo eleitoral, diz que política é um "mal necessário" e que não existe ciência nisso.
e) no uso geral concerne à vida em sociedade e no científico ao governo (programas e projetos) ao Estado (conjunto de instituições permanente que permitem a ação do governo).
resp.: e
quinta-feira, 17 de março de 2011
A DANÇA DE BAUBÔ
Texto de J.C. Marçal - http://arsdiluvianfilosoficos.blogspot.com/
A introdução da Gaia Ciência de Nietzsche é, sem dúvida alguma, uma das mais maravilhosas, originais, instigantes e profundas – senão a maior – de todas as introduções já elaboradas pelas letras humanas até agora. Para bem da verdade, depois desta introdução, qualquer outra passou a soar demasiadamente desnecessária, canhestra e sem o alcance, sem a violência necessária a toda e qualquer introdução. E tudo isso apenas em umas poucas páginas: nada demais, apenas uma simples introdução.
Mas é aí que reside o poder da escrita e do pensamento de Nietzsche: sua síntese é o alcance maior do pensamento enquanto descoberta do seu lugar próprio. O enigma e o mistério inerentes da Natureza são respeitados, descansam no Olimpo particular da perenidade e do devir, tomados com carinho pelo filósofo que contempla do alto da montanha mais alta a planície deslumbrante do abismo que se espraia indefinidamente à sua frente. É uma mulher que esconde sua natureza e suas razões. Aqui, exclama e vaticina Nietzsche, só há um termo: “Talvez o seu nome, para empregar o grego, seja Baubô!... Ah, esses Gregos! Como sabiam do viver!”.
Eis o vento que dissipa a neve, e tudo é petulância, é guerra, escárnio próprio dos fortes, o som retumbante dos tambores de Zéfiro. Estamos, nós todos, muito acostumados com meias palavras, com aquele sentido já esperado, com a palavra morta, esqueletos e esqueletos arrojados pela intempérie e pela preguiça. Em Nietzsche, tudo é muito vivo, muito próximo, muito filosófico às avessas, tudo pulsa e grita exigindo seu lugar... e aí temos a dubiedade, a ambigüidade natural de todo pensamento, mas que jamais vacila, que não se permite – um segundo que seja – duvidar de si mesmo.
E assim, tomados que estamos pela dança furiosa de Baubô, iremos iniciar nosso discurso com uma ira toda sua, com uma profundidade toda sua e, o que talvez seja o mais importante, com uma serenidade que lhe é peculiar por ser ancestral... e nada mais ancestral do que a força! A Filosofia, restringindo-se a uma necessidade absurda de tornar-se ciência [e aqui devemos entender a ciência no seu alcance menor, ou seja, a cientificidade da prova, aquilo que é palpável por todos, logo a essência da plebe, do rústico e do comum; um discurso que diz, constrói e alimenta coisas úteis, é bem verdade, mas que não é em hipótese alguma universal em seu apelo primordial de referência geral] elaborou um mundo paralelo que deveria ser, de fato, um instrumento para seus vôos maiores.
Mas que tristeza terrível se apossou do espírito dos filósofos: sentiram-se atraídos imensamente pelo poder gravitacional do método que eles mesmos erigiram e se esqueceram que toda filosofia deve ser alimentada com sangue e que toda linguagem – por maior que seja o alcance de seu significante ou o poder de seu significado (mesmo no seio de toda relação possível)- nada mais é do que um solo e não a casa, o pátio e o alicerce de toda construção. O sangue é o alimento da vida, aquilo que mantém o esqueleto em pé e que traz para a Filosofia o que sempre lhe foi mais próprio: a experiência. Entretanto, domados docilmente por seus métodos e crenças, não há mais lugar na Filosofia para a experiência: o indivíduo deve se justificar a todo tempo perante o universal.
O particular de todo discurso só é levado a sério se sua funcionalidade final tiver como objetivo o universal. Não importa mais o que os homens realmente vivem, nem mesmo o que sente – palavra horrível para todo filósofo – já que tudo é posto num mosaico pré-fabricado em que tudo já deve estar previamente modelado, esperado, mensurado e reconhecido. Mas, dirá o leitor mais atento, não era exatamente o enigma, o mistério que tomavam parte na dança de Baubô? Eis a razão dos mitos, dos deuses, daquilo que nos mantém vivos: o desconhecido. Este funciona como o ir, o querer sempre do espírito e isso é a vida! A Filosofia, então e de modo muito costumeiro, torna-se um pensamento de mortos. Prove o que você está falando! Argumente! Como seria possível provar a existência da dor para alguém que jamais a vivenciou?
Deveríamos dizer: é assim e tal fato ocorre sobre tais condições. Aqui teríamos sempre que ter um número limitado de condições. Mais ai, espírito meu, que não te conformas com o finito e tendes vistas apenas para o mar infinito do universo! Como provar aquilo que ninguém tem ouvidos para ouvir, que nenhum lábio beijou, que nenhuma vista alcançou? Nunca senti saudades, diz o eremita. E isso já é uma mentira, posto que não podemos colocar como inalcançável aquilo que nomeamos. Se um espírito qualquer jamais houvesse experimentado a saudade – e toda possibilidade é o acaso do real – como lhe dizer o quê fundamental da saudade?
Os filósofos de hoje diriam que devemos perder muito tempo desvelando os meandros sutis da linguagem para que possamos emitir qualquer juízo verdadeiro. Verdade, ó doce palavra jamais encontrada: tudo flui no esforço único do ser em existir. E perderíamos uma vida, duas, três... tentando descobrir a verdade da linguagem, o seu alicerce, o seu fundamento que nada mais é do que o próprio ser, e o mesmo é o pensar. Pensar e ser, a existência que consome o mundo no seu presente que é devir. Melhor dizendo: ser, não-ser e devir, eis a tríade daquilo que é - mas será que eles se encontram? Será que há uma comunhão, uma identidade ou apenas o impuro, o diferente, o vivente opera aqui? Mesmo assim, tendo elaborado aqui uma verdade apenas nossa, não somos tão vaidosos a ponto de tê-la como o término ou o princípio de seja lá o que for. Ela é verdade para mim e aqui apenas a vivência me basta como prova.
O mundo se adequa sempre ao meu eu, sou eu quem o pensa – o hiato da distância é o hiato mesmo da falta da dança de Baubô! Mesmo na epoquê fenomenológica, onde a suspensão de tudo aquilo que me vem pelo mundo me conduz ao meu próprio reino – a origem, o Grund -, nada mais é do que uma variante daquele reino silencioso em que o ser do homem dormita em ação e potência eternas. Potência!, que palavra tão bela: poder, conhecer e agir.
Nos movimentos portentosos da dança de Baubô devemos sempre nos perguntar: estaremos prontos? É o momento, pois a todo instante a morte [a durée do tempo que revela o caráter finito do infinito] nos incumbe de realizarmos a potência em toda a sua dimensão original, em seu alcance único de fazer nos lembrar que nunca temos tempo. Daí o significado da sua dança: o eterno retorno do Mesmo como a realização da potência da vida. Eterno retorno que traduz um mito.
Assim como o mito do soldado Er no último livro da República de Platão, assim Nietzsche elabora um mito todo seu. Não se trata, assim penso, de acabar com a supremacia da subjetividade, realidade cosmológica ou um novo imperativo categórico. No mito, o que é mais interessante, é que só escutamos aquilo que queremos ouvir. A verdade, então, é uma criação nossa. Somos deuses e Baubô dança. A dança da potência da vida - a verdadeira arte da intensidade!
A introdução da Gaia Ciência de Nietzsche é, sem dúvida alguma, uma das mais maravilhosas, originais, instigantes e profundas – senão a maior – de todas as introduções já elaboradas pelas letras humanas até agora. Para bem da verdade, depois desta introdução, qualquer outra passou a soar demasiadamente desnecessária, canhestra e sem o alcance, sem a violência necessária a toda e qualquer introdução. E tudo isso apenas em umas poucas páginas: nada demais, apenas uma simples introdução.
Mas é aí que reside o poder da escrita e do pensamento de Nietzsche: sua síntese é o alcance maior do pensamento enquanto descoberta do seu lugar próprio. O enigma e o mistério inerentes da Natureza são respeitados, descansam no Olimpo particular da perenidade e do devir, tomados com carinho pelo filósofo que contempla do alto da montanha mais alta a planície deslumbrante do abismo que se espraia indefinidamente à sua frente. É uma mulher que esconde sua natureza e suas razões. Aqui, exclama e vaticina Nietzsche, só há um termo: “Talvez o seu nome, para empregar o grego, seja Baubô!... Ah, esses Gregos! Como sabiam do viver!”.
Eis o vento que dissipa a neve, e tudo é petulância, é guerra, escárnio próprio dos fortes, o som retumbante dos tambores de Zéfiro. Estamos, nós todos, muito acostumados com meias palavras, com aquele sentido já esperado, com a palavra morta, esqueletos e esqueletos arrojados pela intempérie e pela preguiça. Em Nietzsche, tudo é muito vivo, muito próximo, muito filosófico às avessas, tudo pulsa e grita exigindo seu lugar... e aí temos a dubiedade, a ambigüidade natural de todo pensamento, mas que jamais vacila, que não se permite – um segundo que seja – duvidar de si mesmo.
E assim, tomados que estamos pela dança furiosa de Baubô, iremos iniciar nosso discurso com uma ira toda sua, com uma profundidade toda sua e, o que talvez seja o mais importante, com uma serenidade que lhe é peculiar por ser ancestral... e nada mais ancestral do que a força! A Filosofia, restringindo-se a uma necessidade absurda de tornar-se ciência [e aqui devemos entender a ciência no seu alcance menor, ou seja, a cientificidade da prova, aquilo que é palpável por todos, logo a essência da plebe, do rústico e do comum; um discurso que diz, constrói e alimenta coisas úteis, é bem verdade, mas que não é em hipótese alguma universal em seu apelo primordial de referência geral] elaborou um mundo paralelo que deveria ser, de fato, um instrumento para seus vôos maiores.
Mas que tristeza terrível se apossou do espírito dos filósofos: sentiram-se atraídos imensamente pelo poder gravitacional do método que eles mesmos erigiram e se esqueceram que toda filosofia deve ser alimentada com sangue e que toda linguagem – por maior que seja o alcance de seu significante ou o poder de seu significado (mesmo no seio de toda relação possível)- nada mais é do que um solo e não a casa, o pátio e o alicerce de toda construção. O sangue é o alimento da vida, aquilo que mantém o esqueleto em pé e que traz para a Filosofia o que sempre lhe foi mais próprio: a experiência. Entretanto, domados docilmente por seus métodos e crenças, não há mais lugar na Filosofia para a experiência: o indivíduo deve se justificar a todo tempo perante o universal.
O particular de todo discurso só é levado a sério se sua funcionalidade final tiver como objetivo o universal. Não importa mais o que os homens realmente vivem, nem mesmo o que sente – palavra horrível para todo filósofo – já que tudo é posto num mosaico pré-fabricado em que tudo já deve estar previamente modelado, esperado, mensurado e reconhecido. Mas, dirá o leitor mais atento, não era exatamente o enigma, o mistério que tomavam parte na dança de Baubô? Eis a razão dos mitos, dos deuses, daquilo que nos mantém vivos: o desconhecido. Este funciona como o ir, o querer sempre do espírito e isso é a vida! A Filosofia, então e de modo muito costumeiro, torna-se um pensamento de mortos. Prove o que você está falando! Argumente! Como seria possível provar a existência da dor para alguém que jamais a vivenciou?
Deveríamos dizer: é assim e tal fato ocorre sobre tais condições. Aqui teríamos sempre que ter um número limitado de condições. Mais ai, espírito meu, que não te conformas com o finito e tendes vistas apenas para o mar infinito do universo! Como provar aquilo que ninguém tem ouvidos para ouvir, que nenhum lábio beijou, que nenhuma vista alcançou? Nunca senti saudades, diz o eremita. E isso já é uma mentira, posto que não podemos colocar como inalcançável aquilo que nomeamos. Se um espírito qualquer jamais houvesse experimentado a saudade – e toda possibilidade é o acaso do real – como lhe dizer o quê fundamental da saudade?
Os filósofos de hoje diriam que devemos perder muito tempo desvelando os meandros sutis da linguagem para que possamos emitir qualquer juízo verdadeiro. Verdade, ó doce palavra jamais encontrada: tudo flui no esforço único do ser em existir. E perderíamos uma vida, duas, três... tentando descobrir a verdade da linguagem, o seu alicerce, o seu fundamento que nada mais é do que o próprio ser, e o mesmo é o pensar. Pensar e ser, a existência que consome o mundo no seu presente que é devir. Melhor dizendo: ser, não-ser e devir, eis a tríade daquilo que é - mas será que eles se encontram? Será que há uma comunhão, uma identidade ou apenas o impuro, o diferente, o vivente opera aqui? Mesmo assim, tendo elaborado aqui uma verdade apenas nossa, não somos tão vaidosos a ponto de tê-la como o término ou o princípio de seja lá o que for. Ela é verdade para mim e aqui apenas a vivência me basta como prova.
O mundo se adequa sempre ao meu eu, sou eu quem o pensa – o hiato da distância é o hiato mesmo da falta da dança de Baubô! Mesmo na epoquê fenomenológica, onde a suspensão de tudo aquilo que me vem pelo mundo me conduz ao meu próprio reino – a origem, o Grund -, nada mais é do que uma variante daquele reino silencioso em que o ser do homem dormita em ação e potência eternas. Potência!, que palavra tão bela: poder, conhecer e agir.
Nos movimentos portentosos da dança de Baubô devemos sempre nos perguntar: estaremos prontos? É o momento, pois a todo instante a morte [a durée do tempo que revela o caráter finito do infinito] nos incumbe de realizarmos a potência em toda a sua dimensão original, em seu alcance único de fazer nos lembrar que nunca temos tempo. Daí o significado da sua dança: o eterno retorno do Mesmo como a realização da potência da vida. Eterno retorno que traduz um mito.
Assim como o mito do soldado Er no último livro da República de Platão, assim Nietzsche elabora um mito todo seu. Não se trata, assim penso, de acabar com a supremacia da subjetividade, realidade cosmológica ou um novo imperativo categórico. No mito, o que é mais interessante, é que só escutamos aquilo que queremos ouvir. A verdade, então, é uma criação nossa. Somos deuses e Baubô dança. A dança da potência da vida - a verdadeira arte da intensidade!
segunda-feira, 14 de março de 2011
Conversa com o filho de C. S. Lewis
C. S. Lewis é um daqueles nomes que dispensam apresentações. Um dos mais celebrados escritores cristãos de todos os tempos, Lewis se tornou conhecido mundialmente através de sua coleção de livros infanto-juvenis “As Crônicas de Narnia”.
C. S. Lewis, de origem irlandesa, foi um renomado professor da Universidade de Oxford que de ateu, se converteu ao cristianismo a partir de sua amizade com o igualmente famoso escritor J. R. R. Tolkien, da série “O Senhor dos Anéis”. Depois de sua conversão, Lewis se dedicou a divulgar sua fé através de livros e ensaios, e em particular os livros infanto-juvenis que tanta fama lhe trouxeram.
Lewis foi um solteirão convicto durante a maior parte de sua vida, mas quando estava com quase 60 anos casou-se com Joy Gresham, uma americana judia, que havia sido casada previamente com o escritor Americano William Gresham. O romance tardio de Lewis e Joy é uma historia belíssima e pode ser visto no filme “Shadowlands” (1993) com Anthony Hopkins e Debra Winger. Joy Gresham tinha dois filhos quando conheceu C. S. Lewis, com que se correspondeu por vários anos antes de conhecer pessoalmente. Após a morte de Joy, apenas 4 anos após o casamento por conta de um câncer, Lewis adotou os dois garotos e deixou para eles toda a sua herança e direitos autorais. Um deles, Douglas Gresham, se tornou também um escritor e produtor cinematográfico, inclusive ajudando a produzir os filmes da serie “Narnia”. Douglas esteve essa semana aqui na Liberty University e passou alguns dias falando para os alunos e fazendo palestras para os grupos de teatro da universidade. Na quarta-feira, os professores tiveram um encontro bem agradável e informal com Douglas onde ele respondeu perguntas sobre se pai adotivo, a amizade com Tolkien e os recentes filmes baseados na obra de Lewis.
Douglas, que na verdade é americano, mas foi criado na Inglaterra e depois morou vários anos na Austrália, chegou vestindo uma roupa de cavaleiro, com botas cano longo e uma cruz enorme pendurada no pescoço. Parecia quase que um dos personagens dos livros de C. S. Lewis. E na verdade até agora não entendi direito a razão de sua indumentária. Mas, após o choque inicial , notamos que a conversa iria fluir tranquila e informal. Douglas é bastante animado e divertidíssimo. Por ter morado em tantos lugares diferentes, ficava às vezes difícil para mim, entender seu sotaque; por isso acho que perdi algumas de suas “tiradas” engraçadas, mas o público em geral riu bastante o tempo todo e participou animadamente das perguntas e respostas.
Douglas falou sobre sua relação com C. S. Lewis e fez questão de deixar claro sua admiração e amor pelo pai adotivo. Lewis ao contrário da caracterização de Hopkins no filme “Shadowlands”, era bastante brincalhão e afável. Douglas lembrou com muito carinho dos mementos que passou com ele e lembrou de vários episódios engraçados, mostrando que Lewis era bem mais aberto e divertido do que se imagina. Sobre a amizade de Lewis e Tolkien, Douglas disse que os dois passavam muito tempo em conversas e debates . Por isso, ficaria difícil fazer um filme sobre o relacionamento dos dois, algo que já foi considerado no passado. Também comentou que Tolkien ficou meio decepcionado quando Lewis , depois de sua conversão, se tornou um protestante e não um católico, como Tolkien queria.
Perguntado sobre se ficou satisfeito com o resultado dos filmes da serie “As Crônicas de Narnia”, ele disse que certamente existem alguns problemas, mas que a mensagem principal se manteve preservada em sua maior parte. Douglas falou um pouco sobre a produção mais recente e disse ter ficado bastante satisfeito com o resultado, particularmente com o final. Ao ser questionado sobre produções evangélicas, Douglas disse algo bem interessante. Em suas palavras, afirmou que quem assiste a filmes evangélicos é quase que exclusivamente o próprio público evangélico; algo como chover no molhado. O que os produtores evangélicos deveriam fazer é produzir bons filmes, de qualidade elevada e sem ter necessariamente uma temática evangelística. Segundo ele, essa seria uma forma mais efetiva de influenciar tanto o meio artístico quanto o publico em geral.
Diante de uma pergunta sobre o uso de magia e mitologia nos livros de C. S. Lewis, Douglas falou que não há nada o que temer sobre magia; nunca na historia da humanidade alguma catástrofe foi associada diretamente à magia. Em contrapartida, deveriamos ter medo é da ciência, já que a mesma é responsável pelas maiores atrocidades cometidas pelo homem.
Foi certamente uma honra ter recebido alguém que conviveu tão intimamente com C. S. Lewis; Douglas ainda hoje cuida com grande carinho do legado de seu pai adotivo e acompanha de perto todas as produções envolvendo sua obra. Durante seu tempo na Liberty University, ele fez questão de interagir diretamente com os alunos e compartilhar sua experiência pessoal de forma generosa e aberta. Só não entendi mesmo aquele negócio de sair andando de botas de cavaleiro pra cima e pra baixo.
Um abraço,
Leon Neto
CHEQUE & MATE
...Alviano - E que fábrica é necessário que tenha um desses engenhos que costumam fazer muito açúcar?
Brandônio - É necessário que tenha 50 pe¬ças de escravos de serviços bons; 15 ou 20 juntas de bois, com seus carros necessári¬os, aparelhados; cobres bastantes e bem concertados; oficiais bons, muita lenha, for-nalha e decoada, porque qualquer cousa que falte destas, logo imediatamente se diminuiu com ela o rendimento do açúcar...
O trecho acima, retirado dos Diálogos das Grandezas do Brasil”, livro escrito no início do século XVII, é bastante esclarecedor so-bre a produção açucareira. Indique a alter-nativa que, de acordo com o diálogo, é ver-dadeira:
a) a atividade açucareira utilizava exclusivamente mão-de-obra escrava.
b) a tecnologia utilizada na produção do açúcar era simples e, portanto, acessível a peque¬nos e médios produtores.
c) a produção de açúcar constituía uma ativi-dade bastante complexa para a época.
d) a estrutura tecnológica para a produção do açúcar, por suas características, condicionou a estrutura fundiária do Brasil.
e) a atividade açucareira não se subordinava à metrópole, uma vez que o Brasil dispunha de todos os recursos.
resp.: d
domingo, 13 de março de 2011
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: UMA QUESTÃO DE SOBREVIVÊNCIA.
A geografia, como toda ciência, têm tido uma enorme evolução neste século. Os livros didáticos, quase sempre não conseguem acompanhar o ritmo das novas descobertas e são freguentemente postos de lado com maior rapidez. Um dessas evoluções é o estudo do Desenvolvimento Sustentável, que têm movimentado a produção de textos acadêmicos, tanto no exterior como no Brasil.
Mesmo com essa evolução no estudo, o Desenvolvimento Sustentável ainda é um campo de estudo pouco explorado, ainda não se esgotou o tema e a própria mecânica da desenvolvimento humano faz alimentar esta temática. Perguntas como : Quais os caminhos para viabilizar um projeto de desenvolvimento sustentável ? ; Como equacionar as necessidades dos diversos agentes envolvidos ? ; A quem interessa esse desenvolvimento sustentável ?; são indagações pertinentes ao estudo do desenvolvimento sustentável.
As respostas a essas perguntas só serão respondidas com muita pesquisa e produção de textos científicos.
Nessas últimas décadas temos visto o surgimento de várias organizações-não-governamentais preocupadas com o meio ambiente e o seu desenvolvimento sustentável. Observamos também que o tema é utilizado pelos políticos, com uma certa freguência, como produto de retórica falsa. Muito se têm debatido, sobre o desenvolvimento sustentável no campo político sem ao menos saber com exatidão acadêmica o que é desenvolvimento sustentável. A definição de uso racional dos recursos naturais se volta para a própria concepção da privilegiada espécie humana, portanto, é falso o conceito de desenvolvimento avaliado unicamente à base da expansão da riqueza material, do crescimento econômico; como querem os políticos comprometidos com os lobbistas .
A partir de 1987 vários grupos de ecologistas começaram a financiar projetos de conservação em troca de títulos da dívida dessas nações, permitindo que locais até então ameaçados de devastação fossem conservados. Os ecologistas não pertenciam a uma ideologia definida, abargava tanto neoliberais, como marxistas convictos. A busca de um ideal de desenvolvimento sustentável transcendia a esfera política de organização, a luta por um meio ambiente era mais forte do que definições políticas. Os temas divergentes entre os ecologistas se referiam basicamente as destinos dos resultados do crescimento e os parâmetros avaliativos.
A década de 90 vai com certeza ser relembrada como aquela onde o desenvolvimento sustentável, como sinônimo de um novo paradigma de produção, emergiu com força total, a nível internacional e a nível nacional com o advento da conferência sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92.
A Rio-92 também trouxe ou confirmou outros conceitos, entre eles o de que o desenvolvimento não se dá paralelamente uniforme em todo o planeta, pois cada área geopolítica adquire uma intensidade de investimento de acordo com os interesses capitalistas de momento . O desenvolvimento sustentável deve ser então entendido como um modelo de desenvolvimento agrícola onde as formas de produção e organização social conduz à manutenção e ao aumento da fertilidade do solo, a preservação dos outros recursos naturais e à permanência e estabilidade de valores culturais das populações rurais, mas conduzido pelos
tentáculos do capitalismo selvagem ( se é que a palavra selvagem aqui não esteja impregnada de etnocentrismo )
Diante do quadro exposto anteriomente, verifica-se uma pressão dos países desenvolvidos, sobre os subdesenvolvidos no que concerne ao modelo de desenvolvimento. O México, Argentina e Brasil ( exemplos maiores da busca de desenvolvimento ) se vêem acuados diante da escolha de modelos de desenvolvimentos: de uma lado o desenvolvimento quantitativo, defendido pelos organismos econômicos internacionais, como o FMI, que apregoam o desenvolvimento do país privilegiando a poupança em detrimento das condições de vida da população; do outro lado desenvolvimento qualitativo que busca no equilíbrio entre crescimento econômico e garantia de qualidade de vida da população o meio perfeito de atingir o desenvolvimento sustentável.
Outra preocupação aflora : Crescer e Desenvolver-se são a mesma coisa ? Claro que não, desenvolver-se pressupôem uma busca sistemática e nada fácil entre os países terceiro-mundiastas.
sábado, 12 de março de 2011
QUESTÃO DE SOCIOLOGIA DA SEMANA
A fábrica global instala-se além de toda e qualquer fronteira, articulando capital, tecnologia, força de trabalho, divisão do trabalho social e outras forças produtivas. Acompanhada pela publicidade, a mídia impressa e eletrônica, a indústria cultural, misturadas em jornais, revistas, livros, programas de rádio, emissões de televisão, videoclipes, fax, redes de computadores e outros meios de comunicação, informação e fabulação, dissolve fronteiras, agiliza os mercados, generaliza o consumismo. Provoca a desterritorialização e reterritorialização das coisas, gentes e ideias. Promove o redimensionamento de espaços e tempos.
(Octavio Ianni, Teorias da Globalização, 2002.)
Partindo da metáfora de fábrica global de Octavio Ianni, pode-se identificar como características da globalização
a) o amplo fluxo de riquezas, de imagens, de poder, bem como as novas tecnologias de informação que estão integrando o mundo em redes globais, em que o Estado também exerce importante papel na relação entre tecnologia e sociedade.
b) a imposição de regras pelos países da Europa e América do Sul nas relações comerciais e globais que oprimem os mais pobres do mundo e se preocupam muito mais com a expansão das relações de mercado do que com a democracia.
c) a busca das identidades nacionais como única fonte de significado em um período histórico caracterizado por uma ampla estruturação das organizações sociais, legitimação das instituições e aparecimento de movimentos políticos e expressões culturais.
d) o multiculturalismo e a interdependência que somente podemos compreender e mudar a partir de uma perspectiva singular que articule o isolamento cultural com o individualismo.
e) a existência de redes que impedem a dependência dos polos econômicos e culturais no novo mosaico global contemporâneo.
resp.: a
domingo, 6 de março de 2011
HOJE, 06 DE MARÇO: REVOLUÇÃO PERNAMBUCANA DE 1817
A permanência da família real no Brasil, de interesse dos proprietários de escravos e de terras, comerciantes e burocratas da região centro - sul, não satisfez aos habitantes das demais regiões do país, fossem eles proprietários rurais, governadores ou funcionários. O primeiro grupo tinha consciência de que os favores e privilégios concedidos pelo monarca português eram os responsáveis pelo seu enriquecimento; o segundo vivia, desde a instalação da Corte no Rio de Janeiro, uma situação paradoxal: afastado do poder, tinha, ao mesmo tempo, o ônus de sustentá-lo.
Outro grupo extremamente descontente com a política de favorecimento de D. João era composto pelos militares de origem brasileira. Para guarnecer as cidades e, também, ajudá-lo em suas ações contra Caiena e a região do Prata, D. João trouxe tropas de Portugal e com elas organizou as forças militares, reservando os melhores postos para a nobreza portuguesa. Com isso, o peso dos impostos aumentou ainda mais, pois agora a Colônia tinha que manter as despesas da Corte e os gastos das campanhas militares.
Como analisa a historiadora Maria Odila Silva Dias "a fim de custear as despesas de instalação de obras públicas e do funcionalismo, aumentaram os impostos sobre a exportação do açúcar, tabaco e couros, criando-se ainda uma série de outras tributações que afetavam diretamente as capitanias do Norte, que a Corte não hesitava em sobrecarregar com a violência dos recrutamentos e com as contribuições para cobrir as despesas da guerra no reino, na Guiana e no Prata. Para governadores e funcionários das várias capitanias parecia a mesma coisa dirigirem-se para Lisboa ou para o Rio."
Esse sentimento de insatisfação era particularmente forte na região nordestina, a mais antiga área de colonização do Brasil, afetada pela crise da produção açucareira e algodoeira e pela seca de 1816. Aí, o desejo de independência definitiva de Portugal era profundo. Em Recife, capital da província de Pernambuco e um dos principais portos da região, o descontentamento era enorme. O sentimento generalizado era de que os "portugueses da nova Lisboa" exploravam e oprimiam os "patriotas pernambucanos". Esses homens, descendentes da "nobreza da terra" do período colonial, formada pela elite canavieira de Olinda, que tinha participado da Guerra dos Mascates, consideravam justificado o crescente anti-lusitanismo na Província.
Francisco Muniz Tavares, uma destacada figura da sociedade pernambucana, assim se referia a D. João: "(...) Porquanto, que culpa tiveram estes (habitantes de Pernambuco) de que o Príncipe de Portugal sacudido de sua capital pelos ventos impetuosos de uma invasão inimiga, saindo faminto de entre os seus lusitanos, viesse achar abrigo no franco e generoso continente do Brasil, e matar a fome e a sede na altura de Pernambuco?"
As idéias liberais que entravam no Brasil junto com os viajantes estrangeiros e, também, por meio de livros e de outras publicações que chegavam, incentivavam o sentimento de revolta entre os pernambucanos. Também já haviam chegado, desde o fim do século XVIII, as sociedades secretas, como as lojas maçônicas. Em Pernambuco existiam muitas delas, como Patriotismo, Restauração, e Pernambuco do Oriente, que serviam como locais de discussão e difusão das "infames idéias francesas."
À medida que o calor das discussões e da revolta contra a opressão portuguesa aumentava, crescia, também, o sentimento de patriotismo dos pernambucanos, ao ponto de passarem a usar nas missas a aguardente no lugar do vinho e a hóstia feita de trigo, como forma de marcar sua identidade. Pelas ruas de Recife se ouvia, aqui e ali, o seguinte verso:
"Quando a voz da pátria chama
tudo deve obedecer;
Por ela a morte é suave
Por ela cumpre morrer "
O Movimento
O governador da Província, temendo o agravamento da situação, mandou prender pessoas suspeitas de envolvimento com as lojas maçônicas, tentando, assim, controlar a situação. Entretanto, não foi bem sucedido, pois ocasionou a deflagração do movimento, no início de março de 1817. Os líderes da revolta prenderam o governador e instauraram um Governo Provisório, baseado em uma Lei Orgânica que proclamou a República, estabeleceu a igualdade de direitos, a tolerância religiosa, a liberdade de imprensa e de consciência, sem, no entanto, abordar a questão da escravidão.
A Lei Orgânica determinava, ainda: que se os estrangeiros estabelecidos na região dessem provas de adesão seriam considerados "patriotas"; a abolição dos tributos que oneravam os gêneros de primeira necessidade; e que o Governo Provisório duraria até a elaboração da Constituição do Estado por uma Assembléia Constituinte, a ser convocada dentro de um ano.
O movimento, denominado Revolução Pernambucana, abrangeu amplas camadas da população, como: militares, proprietários rurais, juizes, artesãos, comerciantes e um grande número de sacerdotes, a ponto de ficar também conhecido como a "revolução dos padres." A participação dos padres deve-se, especialmente, ao fato de serem, também, grandes proprietários rurais e, portanto, quererem proteger seus interesses. As camadas mais humildes também aderiram, por sentirem-se atingidas pelas medidas do Governo português, que ocasionaram o encarecimento dos gêneros alimentícios.
Os comerciantes portugueses de Recife, por sua vez, tentaram impedir o movimento, interessados na preservação do sistema colonial e de seus privilégios, oferecendo 500 mil francos aos membros do novo Governo para que desistissem da revolução.
O Governo Provisório, formado pela elite colonial, era composto pelo comerciante Domingos José Martins, o advogado José Luís de Mendonça, o capitão Domingos Teotônio Jorge, o padre João Ribeiro e o fazendeiro Manuel Correia de Araújo e pretendia ser o representante de todos os grupos. Mas essa abrangência não incluía os escravos, apesar de os líderes da revolução falarem o tempo todo sobre Liberdade. Para eles, Liberdade significava o fim do domínio português e a independência, senão da Colônia, pelo menos do Nordeste, isso porque o movimento se estendeu a outras províncias da região, atingindo Alagoas, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. Não pretendiam acabar com a escravidão, mas como essa idéia passou a ser ventilada e os proprietários rurais ameaçaram tirar seu apoio ao movimento, o Governo Provisório lançou um manifesto negando tal intenção, onde se lia:
"Patriotas Pernambucanos! A suspeita tem se insinuado nos proprietários rurais: eles crêem que a benéfica tendência da presente liberal revolução tem por fim a emancipação indistinta dos homens de cor e escravos. (...) Patriotas, vossas propriedades, ainda as mais opugnantes ao ideal de justiça, serão sagradas; o Governo porá meios de diminuir o mal, não o fará cessar pela força. Crede na palavra do Governo, ela é inviolável, ela é santa."
Buscando romper com o passado de exploração e opressão, os patriotas pernambucanos quiseram, também, fazer uma revolução nos modos e maneiras de se relacionarem com as pessoas, pretendendo nelas incutir o sentimento de igualdade, ainda que restrito aos homens brancos. O comerciante francês Tollenare, que entre 1816 e 1818 esteve em Pernambuco, fez as seguintes observações a respeito dessa questão em seu livro " Notas Dominicais":
"(...) Em lugar de "Vossa mercê", diz-se "Vós", simplesmente; em lugar de Senhor é-se interpelado pela palavra Patriota, o que equivale a cidadão e ao tratamento de tu (...) As cruzes de Cristo e outras condecorações reais abandonam as botoeiras; fez-se desaparecer as armas e os retratos do rei."
Esses novos modos vão ser absorvidos, também, pelas camadas mais humildes da população, o que vai causar indignação entre os mais ricos, como mostra o historiador Ilmar Rohloff de Mattos: "Um português que vivia na cidade, Cardoso Machado, comentava indignado: "(...) até os barbeiros não me quiseram mais fazer a barba, respondiam que estavam ocupados no serviço da pátria, via-me obrigado a fazer a mim mesmo a barba (...)". Havia, também, entre essa elite, o medo de uma possível repetição da revolução de escravos ocorrida no Haiti, por conta da repercussão entre a população mais pobre das idéias liberais da revolução, como se pode perceber em outra fala atribuída a Cardoso Machado: " (...) Cabras, mulatos e crioulos andavam tão atrevidos que diziam éramos iguais e que haviam de casar, senão com brancas das melhores. Domingos José Martins andava de braço dado com eles, armados de bacamartes, pistolas e espada nua (...)"
A Luta e o Fim do Movimento
Procurando apoio ao seu movimento, os líderes revolucionários contataram, sem sucesso, os Estados Unidos, a Argentina e a Inglaterra. Junto a esta última tentaram obter, em vão, a adesão do jornalista Hipólito José da Costa, lá radicado. Quando a notícia sobre a revolução chegou ao Rio de Janeiro, D. João promoveu uma violenta repressão, buscando evitar, de qualquer modo, a ameaça à união do Império. Os revoltosos entraram pelo sertão nordestino, mas, logo em seguida, as tropas enviadas por D. João, acrescidas das forças organizadas pelos comerciantes portugueses e proprietários rurais, ocuparam Recife em maio de 1817. Os Governos da Bahia e do Ceará também reagiram à revolução, prendendo os revoltosos que para lá se dirigiram, buscando adesão ao movimento.
A luta durou mais de dois meses, até as forças governistas conseguirem derrotar os revoltosos. A repressão foi extremamente violenta. Muitos dos líderes receberam a pena de morte, como Domingos José Martins, José Luis de Mendonça, Domingos Teotônio Jorge e os padres Miguelinho e Pedro de Sousa Tenório. Para o Governo português a punição deveria ser exemplar, para desestimular movimentos similares. Depois de mortos, os réus tiveram suas mãos cortadas e as cabeças decepadas. Os restos dos cadáveres foram arrastados por cavalos até o cemitério.
Em 1818, por ocasião da aclamação do rei D. João VI, foram ordenados o encerramento da devassa, a suspensão de novas prisões e a libertação dos prisioneiros sem culpa formada. Continuaram, entretanto, presos na Bahia os implicados que já se encontravam sob processo, e assim permaneceram até 1821, quando foram postos em liberdade. Entre eles estavam o ex-ouvidor de Olinda, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva, os padres Frei Joaquim do Amor Divino Rabelo o Frei Caneca e Francisco Muniz Tavares.
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