terça-feira, 8 de julho de 2008

O SURGIMENTO DO ANARQUISMO



Após maio de 68 e a queda do muro de Berlim, o anarquismo ressurgiu no cenário político. Entretanto, existiu uma tendência a resgatar mais alguns elementos do anarquismo do que o anarquismo enquanto corrente revolucionária que apresentava um projeto de sociedade e um conjunto de estratégias e táticas para alcançá-lo. O anarquismo retornou, para muitos, como sendo apenas um comportamento individual e cultural. Por isso, pretendemos, neste texto, resgatar a história do anarquismo classista e militante do séc.XIX, avaliando o que dele nos serve na atual conjuntura e o que consideramos ultrapassado. O anarquismo surgiu na Europa do séc. XIX em um período de ascensão do movimento operário. Podemos demarcar este período como indo da década de 40 à década de 70. Este foi um período de crise econômica do capitalismo europeu que se iniciou com a grande depressão industrial de 1840. A fome e o desemprego pelo continente aterrorizaram ainda mais a vida sofrida da classe trabalhadora. Junto com
a depressão, a Europa apresentava um ambiente de intensa agitação. Insurreições, motins, revoltas, estavam presentes durante todo este período, fazendo com que a revolução estivesse à ordem do dia. O anarquismo, neste contexto, não surgiu como fruto das reflexões individuais de um gênio isolado. Pelo contrário, ele surgiu como uma expressão da organização e luta dos trabalhadores da época. Foi um método criado no bojo da luta proletária que indicava objetivos, estratégias e táticas para a libertação da classe explorada e construção de uma sociedade justa e igualitária.

O primeiro homem a reivindicar para si a definição de anarquista foi o trabalhador francês Joseph Proudhon. Ele reivindicou o termo porque seu método de transformação da sociedade incluía a construção de uma sociedade igualitária e livre que só seria possível com a eliminação do Estado e a construção de uma organização política igualitária, organizada não de cima pra baixo, pela imposição de uma cúpula no poder, mas de baixo pra cima, partindo de cada trabalhador. Este tipo de organização política Proudhon chamou de Federalismo. Entretanto, a estratégia de Proudhon era baseada em uma concepção de transformação gradual da sociedade. Ele tinha esperança no avanço rumo ao socialismo sem uma ruptura insurrecional. Lembremos o que ele mesmo disse em uma carta a Marx: “(...) nós não devemos, de forma alguma, colocar a ação revolucionária como meio de reforma social, porque esse pretendido meio seria simplesmente um apelo à força, ao arbítrio; em suma, uma contradição.”. Assim, Proudhon
discordava de uma estratégia revolucionária insurrecional para a destruição do capitalismo. Preferia uma tática reformista, através da construção de organismos econômicos no interior desta sociedade, que, gradualmente, iriam tomando o lugar do capital. Os proudhonianos ou mutualistas, como também eram chamados, tiveram grande importância no movimento operário do séc. XIX. A maior parte dos fundadores da Associação Internacional dos Trabalhadores pertencia a esta corrente libertária. Entretanto, os mutualistas nunca construíram uma organização política, isto é, uma organização especificamente anarquista. Preferiam, pelo contrário, atuarem somente em associações de trabalhadores e criarem bancos de créditos coletivos que pudessem pouco a pouco substituir a lógica do capitalismo.

Assim, a primeira forma revolucionária e política dos anarquistas surgiu não com os proudhonianos, mas com os coletivistas ou bakuninistas e teve seu formato concreto na criação da Aliança da Democracia Socialista, organização especificamente anarquista que atuava no interior da Associação Internacional dos Trabalhadores.

O objetivo finalista dos coletivistas, em linhas gerais, consistia em alcançar uma sociedade socialista e federalista. Por socialismo entendiam ser necessário a socialização da propriedade, isto é, eliminar a propriedade privada dos meios de produção. Eliminar a idéia de que o mundo devia ser dividido em burguesia (classe que detém os meios de produção, as fábricas, as terras e os instrumentos de trabalho) e proletariado (classe que nada tinham a não ser a sua prole e a força de trabalho que vendia para a burguesia em troca da sobrevivência). Assim, somente tornando coletiva a propriedade das fábricas, das terras e dos instrumentos de trabalho é que o proletário poderia ser livre e ter os meios reais para satisfazerem suas necessidades sem serem explorados. Por federalismo, a Aliança da Democracia Socialista entendia a eliminação do Estado e a construção de uma nova forma de organização da sociedade, uma forma igualitária, vinda de baixo para cima, através da decisão coletiva dos
trabalhadores, sem a imposição de um grupo no poder. Os coletivistas opunham, desta forma, ao Estado o Federalismo. Não se trata de destruir o Estado e esperar que o povo se organize espontaneamente, como muitos pensam que o anarquismo é, mas, destruir o Estado substituindo-o por uma organização proletária, construída desde baixo pelo próprio povo explorado.

Os anarquistas se diferenciavam, assim, dos marxistas que queriam construir uma ditadura do proletariado, que queriam tomar o poder e construir um Estado revolucionário. Bakunin, por exemplo, dizia que se mantivéssemos uma estrutura de Estado na nova sociedade, este Estado “(...) não conseguiria existir um único dia sem ter pelo menos uma classe privilegiada: a burocracia.” Esta classe dominante que se formaria através do Estado escravizaria novamente o proletariado. Desta forma, era preciso acabar com a propriedade privada e com o Estado e construir o socialismo e o Federalismo. Entretanto, como poderíamos chegar até o socialismo federalista? Como chegar a esta sociedade livre e igualitária? Para os coletivistas, o único meio era a revolução social protagonizada pelas massas proletárias (1) e camponesas. Deveriam ser as próprias classes exploradas pelo sistema capitalista, o próprio povo pobre miserável, que deveriam organizados em suas lutas fazer uma revolução e, destruindo a força repressiva da burguesia, construir o socialismo e a liberdade. Seguiam assim o lema da Associação Internacional dos Trabalhadores: “A emancipação dos trabalhadores deve ser obra dos próprios trabalhadores”.. Nenhum partido, nenhuma vanguarda iluminada, ninguém poderia fazer a revolução para o povo. Essa revolução deveria ser violenta, pois a burguesia não abriria mão de suas propriedades de graça, e seria necessário que o povo explorado estivesse organizado e disposto a guerrear contra seus exploradores.

Esta era portanto a estratégia permanente anarquista, fazer uma revolução social protagonizada pelas classes exploradas. Entretanto, como fazer isto se o proletariado estava afundado na ignorância, na incapacidade de compreender o capitalismo, em condições de trabalho miseráveis que lhe impossibilitavam pensar uma sociedade futura? Quais eram as variáveis estratégicas e táticas dos anarquistas para chegarem a uma revolução social protagonizada pelas classes exploradas? Este será um tema do nosso próximo número.



[1] Na Alemanha e na Suíça da época de Bakunin aparecia uma classe operária privilegiada por altos salários. Carregavam, segundo Bakunin, o instinto de propriedade que lhe fazia negar qualquer concepção revolucionária socialista. Ao contrário destes operários qualificados, Bakunin acreditava que a força da revolução estaria nos proletários esfarrapados, isto é, nos operários miseráveis, cujas condições de vida eram as mais baixas possíveis. Eram os proletários esfarrapados que, distantes do instinto de propriedade, carregavam o espírito da revolução. Este foi um conflito entre os anarquistas e os marxistas, que depositavam a sua força no operariado dos países mais modernos.

Nenhum comentário: