sábado, 21 de junho de 2008

A CAIXA DO XUMBERGAS ( Conjuração do "Nosso Pai")


João Bosco Pinheiro Barreto (prof. de história e meu amigo de longas datas)

A carta de André Pires Barbosa a El Rei de Portugal [1] só pode ser compreendida se retornarmos aos fatos que agitaram a capitania de Pernambuco em 1666. No ano, cuja cifra era o “famigerado” número da besta, podia-se esperar todo tipo de acontecimento, especialmente os inéditos e impensáveis. Foi naquele 666, no final do agourento agosto, que se deu a cômica desventura de Jerônimo de Mendonça Furtado.

Governador de Pernambuco desde 1664, o infeliz Jerônimo devia ter sido uma figura se não engraçada pelo menos pitoresca. Os chargistas de hoje em dia teriam nele um ótimo mote para piadas. Usava bigodes tufados, imitando um tal general Shomberg e, por isso, foi logo alcunhado de Xumbergas, palavrinha engraçada que virou verbo, xumbregar, cujo sentido inicial era “encher a cara” de cachaça, mas que depois passa ser usado também para indicar uma ação licenciosa, como bolinação consentida.

O dito governador não fez muita coisa em contrário aos seus antecessores e sucessores. Ele soube fazer uso do cargo para aumentar seu patrimônio pessoal, foi arrogante, fez inimigos, roubou do povo, dos senhores e do rei, ou seja, tudo conforme o figurino. Foi através de uma leitura dos fatos focada nos desmandos da gestão de Jerônimo de Mendonça e na conseqüente insatisfação dos seus governados, que a historiografia tradicional optou explicar sua deposição e deportação para Lisboa como a concretização de um plano conspiratório da elite local. Todavia, como bem esclarece Evaldo Cabral de Mello,[2] a queda do Xumbergas teve o dedo de gente mais poderosa, no caso, o governador geral na Bahia e vice-rei, o conde de Óbidos. Com este Jerônimo teve vários atritos, sendo o mais emblemáticos o episódio em que o Xumbergas não achando pouco o ato de recusar–se dá posse a um corregedor nomeado pelo governador geral, prendeu o dito corregedor, deportou-o de volta a Bahia e nomeou para o cargo um protegido seu.

Mas foram os oficiais da câmara de Olinda, mancomunados com o vigário de São Pedro Mártir que executaram o plano de captura do Xumbergas. Fizeram uma procissão do viático, talvez simulada, que, segundo o costume da época, deveria ser seguida pelos transeuntes. Era um tipo de cortejo religioso que saia da igreja para a casa de algum moribundo que aguardava a extrema unção e terminava ao retornar a igreja. Os conjurados elaboraram o percurso da procissão de modo a que esta passasse em frente da casa do governador no horário em que esse fazia sua caminhada habitual nas proximidades do palácio da governança. Deu certo. Jerônimo seguiu o séqüito feito um patinho inocente e, no retorno, recebeu voz de prisão “em nome do rei” pela boca do Juiz André de Barros. De imediato, tentou reagir, mas não teve outra opção a não ser capitular. Na mesma noite foi prisioneiro para o Forte do Brum e depois mandado de volta para Lisboa.

Em Portugal, Jerônimo ainda articulou-se e fez petição ao rei para voltar ao Brasil. Seus apelos nunca foram atendidos. Também não houve punição aos que lhe deportaram. A passividade da coroa diante dessa afronta a um alto funcionário de sua majestade é um elemento a mais para alimentar as conjecturas de que a trama conspiratória ultrapassou os limites da capitania pernambucana.

A carta de André Barbosa faz alusão a uma caixa. É um mistério, um enigma. Muito provavelmente eram os livros contábeis de Jerônimo de Mendonça que estavam contidos nela ou mesmo outros documentos de Estado, talvez comprometedores. Mas pela avidez do rei em nela por mão, deve ser coisa que trate de dinheiro, como listas de arrecadação de impostos e coisas do gênero. De posse de tais papéis, talvez se fosse possível dissipar dúvidas a respeito das muitas atitudes suspeitosas do Xumbergas da verdadeira extensão dos prejuízos que este dera à Coroa. Mas como essa caixa não foi encontrada, ficou sobre ela, apenas, dúvida e suposições.

[1] Arquivo Histórico Ultramarino – Pernambuco. Caixa 6, fls 110
[2] MELO, Evaldo Cabral de. A Fronda dos Mazombos.

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