ARGENTINA - Aventura no mar
- Buenos Aires se lança contra a Inglaterra
Os 1.900 habitantes das ilhas
Falklands, ou Malvinas, como querem os argentinos - frio e desolado arquipélago
com duzentas ilhas no Atlântico Sul -, receberam a notícia de que a invasão se
consumara pela rádio de Port Stanley, capital dessa isolada possessão inglesa
distante 11.500 quilômetros da Inglaterra e 402 quilômetros do litoral
argentino. Na manhã de sexta-feira, 2, o governador da colônia, Rex Hunt, leu
diante do microfone da emissora, em inglês, língua falada por 97% da população,
o comunicado do comandante das forças argentinas que, nas horas anteriores,
haviam ocupado a pequena cidade.
Para perplexidade da comunidade
internacional, o regime militar de Buenos Aires levara às últimas conseqüências
suas ameaças de resolver, pela força, a disputa diplomática travada em torno da
posse do arquipélago desde que ele foi ocupado pela Inglaterra 149 anos atrás.
Por mais inverossímil que fosse, o fato
estava consumado, causando preocupação e pasmo no exterior e emocionais
manifestações de patriotismo na Argentina. De na valera o chamado telefônico de
cinqüenta minutos com que o presidente Ronald Reagan, na noite de quinta-feira,
tentara demover o general Leopoldo Fortunato Galtieri, presidente da Junta
Militar argentina, de invadir Port Stanley.
Sem atender ao apelo de seu
aliado, Galtieri mandou seguirem em frente as forças argentinas que àquela
altura já se acercavam de seu alvo. Primeiro, transportados em navios de
guerra, fuzileiros navais desembarcaram em Cape Pembroke, perto da capital. Dali,
marcharam para o aeroporto, preparando-o para receber, a partir das 2 horas da
madrugada de sexta-feira, um contingente de pára-quedistas chegados em aviões
militares Hércules e Netuno. Diante da superioridade numérica dos invasores, os
79 fuzileiros navais ingleses baseados na ilha não puderam impedir a ocupação -
embora tenham resistido a ponto de provocar a morte de um capitão e ferimentos
em dois soldados argentinos.
As intenções de Buenos Aires
começaram a materializar-se no último dia 19, quando 41 civis argentinos
desembarcaram na ilha de São Pedro, no desabitado arquipélago da Geórgia do
Sul, que com outros dois arquipélagos, Orcades e Sandwich, distantes até 2.400
quilômetros da Argentina, integram os domínios ingleses na região. Os 41
argentinos içaram bandeiras de seu país na ilha deserta e por lá foram ficando,
enquanto uma troca de ameaças de retaliação naval se estabelecia entre Buenos
Aires e Londres.
A invasão das Malvinas tomou o
governo inglês de surpresa. A primeira-ministra Margaret Thatcher interrompeu
um almoço em companhia da rainha Elizabeth II para tratar da situação. Pela
primeira vez desde a crise do canal de Suez, em 1953, o Parlamento foi convocado
para uma reunião extraordinária no sábado. De pronto, a Inglaterra deu por
rompidas suas relações diplomáticas com a Argentina e marcou prazo de quatro
dias aos diplomatas argentinos para deixarem o país.
Diante do Conselho de Segurança
da ONU, os embaixadores dos dois países trocaram amargas acusações. Notícias
não-oficiais deram conta de que navios britânicos da frota do Mediterrâneo,
inclusive o cruzador Invincible estariam
a caminho de Port Stanley. O submarino nuclear Endurance já estaria na região.
E o governo inglês afirmou que não admitirá perder as ilhas. Ainda assim, a
hipótese de uma conflagração naval de grandes proporções entre os dois países
escapava a todo o esforço de previsão sensata. Mesmo que os 1.900 habitantes de
Falklands, ou Malvinas, tenham preferido, quase por unanimidade, em recente
plebiscito, conservar a cidadania britânica, seria difícil imaginar a
Inglaterra perdendo o senso das proporções para se engalfinhar num combate
naval com a Argentina.
Qualquer que seja o desfecho da crise,
o regime argentino procurava tirar dela o maior partido possível. Desde logo, o
governo conseguiu desviar a atenção dos argentinos de seus insuportáveis e
imediatos problemas econômicos para as longínquas ilhotas do Atlântico Sul. Em
Buenos Aires, o regime militar orquestrou com sucesso uma rápida campanha pela
unidade nacional. Bandeiras nacionais foram desfraldadas nas janelas dos
edifícios. Os automóveis passaram a trafegar de buzinas ligadas, num monumental
zumbido de guerra contra a Inglaterra. E mesmo os mais ferrenhos opositores do
regime não tiveram como negar-lhe sua patriótica solidariedade no episódio.
Dessa tão inevitável quanto constrangedora imposição não escapou sequer a
Confederação Geral dos Trabalhadores, cuja cúpula, na terça-feira anterior, ao
promover uma passeata pedindo “pão, trabalho e paz”, fora colocada na cadeia
pelas autoridades.
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